Minha infância foi em um
tempo em que ainda se faziam visitas a parentes. Recordo muito bem de minha mãe
mandando eu e meu irmão caprichar no banho porque a família toda iria visitar
algum conhecido. Íamos todos juntos, a pé. Geralmente, nos finais de semana.
Ninguém avisava nada, o
costume era chegar de surpresa mesmo. E os donos da casa nos recebiam alegres.
Aos poucos, os moradores iam se apresentando, um por um. Vinha um e apertava a
mão do meu pai, da minha mãe, a minha mão e a mão do meu irmão. Aí chegava
outro. Repetia-se toda a diplomacia.
– Vamos sentar gente.
Que surpresa agradável!
A conversa rolava solta
na sala. Meu pai conversando com o compadre e minha mãe de papo com a comadre.
Eu e meu irmão ficávamos sentados entreolhando-nos e olhando a casa visitada.
Retratos e imagens de santos na parede. Casa singela e acolhedora. A nossa
também era assim.
Também eram assim as
visitas, singelas e acolhedoras. Tão acolhedoras que era também costume servir
um bom café aos visitantes. De repente surgia alguém lá da cozinha – geralmente
uma das filhas – e dizia:
– Pessoal vem aqui pra
dentro que o café está na mesa. Tratava-se de uma metonímia gastronômica. O
café era apenas uma parte: pães, bolo, broas, queijo fresco, manteiga,
biscoitos, leite, qualhada, rapadura... Tudo sobre a mesa.
Juntava todo mundo e as
piadas pipocavam. As gargalhadas também.
Pra quê televisão? Pra quê rua? Pra quê droga? A vida estava ali, no riso, no café, na conversa, no abraço, na esperança... Era a vida transbordando simplicidade, alegria e amizade...
Pra quê televisão? Pra quê rua? Pra quê droga? A vida estava ali, no riso, no café, na conversa, no abraço, na esperança... Era a vida transbordando simplicidade, alegria e amizade...
Quando saíamos, os donos
da casa ficavam à porta até que virássemos a esquina. Ainda nos acenávamos. Era
assim também lá em casa. Recebíamos as visitas com o coração alegre... A mesma
alegria se repetia. Quando iam embora, também ficávamos olhando até eles
desaparecerem no horizonte.
O tempo passou. Hoje é
cada um na sua e ninguém na de ninguém. Não se recebe mais em casa. Agora a
gente combina encontros com os amigos fora de casa.
Assim, as casas vão se
transformando em túmulos sem epitáfios, que escondem mortos anônimos e
possibilidades enterradas. Cemitério urbano, onde perambulam zumbis e fantasmas
mais assustados que assustadores. Casas trancadas. Pra quê abrir? O ladrão pode
entrar e roubar a lembrança do café, dos pães, do bolo, das broas, do queijo
fresco, da manteiga, dos biscoitos, do leite...
Que saudade daquele
tempo!
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