Quando estamos solitários e precisamos de alguém para amar e que nos
ame, nossa imaginação erótica pode construir a imagem do tipo de pessoa que
esperamos encontrar, alguém que poderá satisfazer inteiramente nossas
necessidades, atendendo-as de uma forma que ninguém mais saberia fazer.
Claro que a vida real jamais nos proporciona tamanha perfeição – e como
poderia, já que nós mesmos não somos perfeitos?
Na história grega antiga houve um homem chamado Pigmaleão, que morava
na ilha de Chipre. Segundo a lenda, Pigmaleão ainda não havia encontrado a
mulher a quem entregar seu coração. A prostituição também era algo comum na
ilha, por isso, enojado com a promiscuidade das mulheres cipriotas, ele decidiu
viver sozinho. Mesmo assim, em sua solidão, continuava ávido de amor, como
alguém que está no mar sedento por uma água que não pode beber.
Certa tarde, quando Pigmaleão trabalhava esculpindo uma estátua, sentiu
que suas mãos se moviam com uma paixão inconsciente. Entalhou cada peça de marfim
com uma intensidade que não lhe era habitual e fixou uma por uma na matriz de
madeira. Daí começou a surgir uma figura de tamanho natural e de inesperada
beleza, de pele clara e de sorriso doce. Ele pintou os lábios de um tom rosado
e colocou os olhos. Ao final, a estátua pareceu lhe encarar. Então ele recuou,
admirado não do seu trabalho, pois a estátua não aparentava mais ser algo que
ele tivesse criado, e sim alguém que ele tivesse ajudado a trazer à vida com o
todo mais atraente que a soma das partes, uma mulher de beleza perfeita que
satisfazia seus desejos e expectativas.
À noite, na solidão de sua cama, lembrou o rosto de marfim que suas
mãos tinham tocado. Não conseguiu dormir, então se levantou e voltou para o
estúdio. Lá estava ela, o luar palidamente refletido em sua pele nua. Pigmaleão
sentou-se ao lado dela e a fitou.
“Quem
dera você fosse de verdade”, pensou ele.
Na manhã seguinte, acordou no chão do estúdio, onde acabara
adormecendo.
Naquela noite, viu-se novamente sozinho na cama. Ao longe, escutava o
riso de um casal que passava pela rua. Acompanhou suas vozes até dobrarem a
esquina e o som desaparecer.
Então ele se levantou, foi até o estúdio e delicadamente pegou a
estátua e a levou para a cama, deitando-lhe a cabeça no travesseiro ao seu
lado. Pousou a mão em seu peito, acariciou os seios que ele próprio esculpiu,
beijou a face dela e pronunciou o seu nome pela primeira vez: “Galatéia” que significa “branca como leite”!
Pela manhã, devolveu a estátua ao pedestal do estúdio, encobrindo-a com
tecido e a escondeu atrás de um biombo para que ninguém mais visse a obra prima
que ele criara.
No dia seguinte seria realizado o festival de Afrodite, a data mais alegre
da ilha de Chipre. Pigmaleão foi ao templo de Afrodite e pediu a ela com todo o
amor no seu coração: “Dê vida à mulher
que eu amo, e que ela me ame com um amor igual ao que eu lhe dedico”. No
fundo, Pigmaleão sabia que era uma prece impossível de ser atendida. Teria sido
melhor ter rezado para Esculápio, o deus da medicina, para curar sua loucura e
por fim àquela ilusão.
Quando anoiteceu, Pigmaleão voltou a cumprir seu ritual, levando Galatéia
para a cama e deitando-se ao lado dela até o amanhecer. Naquela noite, porém,
quando pousou o braço sobre seu peito, os seios de marfim estavam macios e
quentes, subindo e descendo à medida que a estátua respirava. Os olhos dela,
que sempre tinham estado abertos até então, piscaram e Pigmaleão viu lágrimas
rolarem deles.
- Galatéia! – disse ele, espantado. - Galatéia!
Seu nome foi só o que ele conseguiu dizer quando ela se virou e o
beijou, pronunciando o nome dele como se o conhecesse desde o dia de seu
nascimento. Afrodite atendeu à prece de Pigmaleão, reconhecendo o seu intenso
desejo.
Comentários: A história de
Pigmaleão e Galatéia expressa bem a natureza humana. Ser humano é ser
incompleto. Nossa vida é uma busca permanente de algo que nos complete, tanto
no corpo quanto no espírito. Fomos feitos homens e mulheres por Deus onde cada
metade precisa, ansiosamente, encontrar a outra.
Além disso, esta história nos dá uma grande lição ensina também sobre
nossa ânsia por beleza e perfeição, uma compulsão que afeta muitas pessoas,
principalmente mulheres. É inevitável que a perfeição esteja além do alcance de
qualquer pessoa. É inevitável sermos vítimas do envelhecimento. A beleza se
degenera no percurso da estrada que vai do nascimento à morte. Aprendemos essa
verdade a cada dia quando olhamos o rosto e contemplamos o corpo de quem
amamos.
A perfeição ideal, nunca saciada, pertence à arte, não à vida real. No
entanto, a busca por essa perfeição nos mostra nossas aspirações, ou seja,
aqueles momentos evanescentes que fazem toda uma vida valer a pena.
A busca da perfeição pode causar sofrimentos intensos, tanto físicos
quanto psicológico. Se moderarmos nossos desejos e expectativas, nos poupamos
de angústias desnecessárias.
No instante que compreendemos e aceitamos que a vida é constituída
apenas de momentos impermanentes, percebemos como ela é realmente preciosa.
No fim, a estátua de Galatéia, por mais perfeita que fosse, deixaria de
satisfazer Pigmaleão. Seu silêncio não atenderia às necessidades daquele homem,
pois somente sua voz e seus pensamentos – como em uma mulher de verdade –
poderiam acabar com a carência dele.
Mas isso não significa que
Pigmaleão fosse ficar sempre satisfeito com tudo o que Galatéia dissesse. Ao
dar vida à Galatéia, Afrodite também lhe deu liberdade e independência – um preço
que Pigmaleão teria de pagar.
Quem busca a mulher perfeita sempre rejeita a que tem, mas quem aceita
uma mulher de verdade nunca terá a ideal.
Pense Nisso!
1 comentários:
fantástico! esta não havia lido ainda, apesar de ser fã da mitologia greco-romana. gostei dos comentários, mas percebi q a história de pigmaleão dá abertura para o estudo de um problema bem atual, qdo diz que "A prostituição também era algo comum na ilha, por isso, enojado com a promiscuidade das mulheres cipriotas, ele decidiu viver sozinho." Nos dias atuais, a promiscuidade é tanta, o amor está tão desvalorizado em detrimento do sexo fácil e quantitativo, que mtas pessoas permanecem sozinhas e sem esperança de que a situação dos relacionamentos melhore algum dia.
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